domingo, 31 de março de 2013

Aconteceu em Kairós


                                                                            Fotografia: Polianna Souza
No princípio dos tempos Kairós era assim: uma cidade feia, escura, fria e sem vida. Tudo era cinza, as casas, os jardins, os templos, as pessoas, tudo. Não havia som, fazia um silêncio assustador. As pessoas não conversavam, não saiam de suas casas, não conheciam as ruas, não se conheciam. Era tudo um imenso vazio e não se podia notar o tempo passar. Não havia outro ruído que não o do vento interior que soprava de tempos em tempos. Ventava muito naquele tempo e o vento fazia erguer uma estranha poeira cinzenta, deixando tudo encoberto por uma névoa de desconcertantes incertezas. Não fosse pela secreta angústia que todos silenciosamente carregavam, reinariam absolutas a indiferença e a apatia. Parecia uma cidade deserta e perdida.
Porém um dia, sem qualquer explicação, da velha, descuidada e praticamente morta árvore do largo central surgiu um pequeno e desconhecido broto de um verde escuro forte e imponente. Foi crescendo rapidamente dia após dia, como a desafiar a escuridão e o vento poeirento. Era uma nova e transformadora árvore! Dela brotaram flores das mais diversas cores e odores. O aroma suave e estranho àquela população invadiu as casas e despertou algo até então desconhecido naquele lugar: a curiosidade! De onde viria aquele perfume? Quem o haveria provocado? Por quê?
Pouco a pouco as pessoas começaram a sair desconfiadas de suas casas e qual não foi a surpresa geral ao perceberem que o vento já não tinha tanta força e a densa nuvem de cinzas e poeira dissipava-se lentamente. Já era possível observar alguns pontos azulados no céu e sentir o calor da luz do sol, há tanto tempo esquecido, adentrando pouco a pouco.
Os habitantes olhavam-se pela primeira vez com interesse e inquietação, deixando emergir um intenso desejo de ver, ouvir e conhecer o outro. Descobriram suas vozes que, de tanto tempo mudas, urgiam em se revelar! Sentiam-se em plena revolução, antes mesmo de perceberem a profundura das mudanças. 
Chegando ao paço central puderam ver a bela e frondosa árvore que, a essa altura, ocupava desmedido espaço, coberta por incontável diversidade de flores e frutos, muitos já espalhados pelo chão. Não tardaram a notar que assim que um fruto caia ao chão uma nova árvore aparecia e trataram de carregar muitos frutos para seus quintais.
Pouco a pouco a cidade era invadida pela vida. Suas vielas e alamedas, antes desconexas, estonteantes e sombrias, ganharam mais atalhos, interligações e muitas cores. Nas casas havia flores, animais, alegria e muita música! O medo e a angústia deram espaço à percepção de que era permitido sonhar e acreditar.  Seus moradores passaram a conviver com respeito, mesmo frente às divergências e entenderam que, apesar das dores e prazeres dos possíveis encontros e despedidas, a vida dividida sempre transcendia mais suas próprias vidas!
Às vezes aconteciam estranhas visitas que até podiam estremecer a nova ordem estabelecida, abalavam por algum tempo as novas estruturas, mas logo vinha uma nova transformação e a cidade se via cada vez mais forte e seu povo mais confiante.
Hoje em Kairós é assim: há dias frios, dias cinzentos, outros ensolarados e ainda outros chuvosos; há períodos de alegrias e períodos de tristezas; épocas de fartas colheitas e outras de profunda estiagem. E a vida, passageira como tudo, segue com a resoluta certeza da existência de tantas outas novas descobertas e possibilidades pela frente!

“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;
Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;
Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;
Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.

Eclesiastes 3:1-8


Nenhum comentário:

Postar um comentário