Fotografia: Polianna Souza
No princípio dos tempos Kairós era assim: uma
cidade feia, escura, fria e sem vida. Tudo era cinza, as casas, os jardins, os
templos, as pessoas, tudo. Não havia som, fazia um silêncio assustador. As
pessoas não conversavam, não saiam de suas casas, não conheciam as ruas, não se
conheciam. Era tudo um imenso vazio e não se podia notar o tempo passar. Não
havia outro ruído que não o do vento interior que soprava de tempos em tempos. Ventava
muito naquele tempo e o vento fazia erguer uma estranha poeira cinzenta,
deixando tudo encoberto por uma névoa de desconcertantes incertezas. Não fosse
pela secreta angústia que todos silenciosamente carregavam, reinariam absolutas
a indiferença e a apatia. Parecia uma cidade deserta e perdida.
Porém um dia, sem qualquer explicação, da
velha, descuidada e praticamente morta árvore do largo central surgiu um pequeno
e desconhecido broto de um verde escuro forte e imponente. Foi crescendo rapidamente
dia após dia, como a desafiar a escuridão e o vento poeirento. Era uma nova e
transformadora árvore! Dela brotaram flores das mais diversas cores e odores. O
aroma suave e estranho àquela população invadiu as casas e despertou algo até
então desconhecido naquele lugar: a curiosidade! De onde viria aquele perfume? Quem
o haveria provocado? Por quê?
Pouco a pouco as pessoas começaram a sair desconfiadas
de suas casas e qual não foi a surpresa geral ao perceberem que o vento já não
tinha tanta força e a densa nuvem de cinzas e poeira dissipava-se lentamente.
Já era possível observar alguns pontos azulados no céu e sentir o calor da luz
do sol, há tanto tempo esquecido, adentrando pouco a pouco.
Os habitantes olhavam-se pela primeira vez com
interesse e inquietação, deixando emergir um intenso desejo de ver, ouvir e
conhecer o outro. Descobriram suas vozes que, de tanto tempo mudas, urgiam em
se revelar! Sentiam-se em plena revolução, antes mesmo de perceberem a
profundura das mudanças.
Chegando ao paço central puderam ver a bela e
frondosa árvore que, a essa altura, ocupava desmedido espaço, coberta por incontável
diversidade de flores e frutos, muitos já espalhados pelo chão. Não tardaram a
notar que assim que um fruto caia ao chão uma nova árvore aparecia e trataram
de carregar muitos frutos para seus quintais.
Pouco a pouco a cidade era invadida pela vida.
Suas vielas e alamedas, antes desconexas, estonteantes e sombrias, ganharam
mais atalhos, interligações e muitas cores. Nas casas havia flores, animais,
alegria e muita música! O medo e a angústia deram espaço à percepção de que era
permitido sonhar e acreditar. Seus
moradores passaram a conviver com respeito, mesmo frente às divergências e
entenderam que, apesar das dores e prazeres dos possíveis encontros e
despedidas, a vida dividida sempre transcendia mais suas próprias vidas!
Às vezes aconteciam estranhas visitas que até podiam
estremecer a nova ordem estabelecida, abalavam por algum tempo as novas
estruturas, mas logo vinha uma nova transformação e a cidade se via cada vez
mais forte e seu povo mais confiante.
Hoje em Kairós é assim: há dias frios, dias cinzentos,
outros ensolarados e ainda outros chuvosos; há períodos de alegrias e períodos
de tristezas; épocas de fartas colheitas e outras de profunda estiagem. E a
vida, passageira como tudo, segue com a resoluta certeza da existência de
tantas outas novas descobertas e possibilidades pela frente!
“Tudo
tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
Há
tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que
se plantou;
Tempo
de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;
Tempo
de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
Tempo
de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de
afastar-se de abraçar;
Tempo
de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;
Tempo
de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
Tempo
de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.”
Eclesiastes 3:1-8
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