domingo, 15 de abril de 2012

Reviver e sobreviver!

Obs: mais um post da (antiga!) série cartas!!!


                                             Fotografia de Polianna Souza

Minha querida amiga,

Sei que este tem sido um período difícil. Tenho acompanhado este seu momento, embora não tão perto quanto eu gostaria. Mas por mais perto que estivesse, nunca seria o suficiente para apaziguar seu coração… Existem momentos nos quais necessitamos seguir sós, mesmo quando insistem em nos acompanhar.
Difícil lhe dizer, impossível saber… quantos amores serão necessários? Não sei… Poderia cair no senso comum e dizer qualquer bobagem... Mas eu prefiro assumir que, realmente, não sei! Também penso nisso muitas vezes, principalmente nos ensejos de solidão. Gostaria mesmo de poder ter uma resposta, mas não tenho… aliás, quem a terá?
Também não sei se é certo e sensato ou se é totalmente incerto estar inteiro em uma relação. É difícil nos aceitar em tudo, como nos mostrar completamente? Como estarmos integralmente? Como seremos absolutos? Isso pode levar muito, muito tempo ou nunca acontecer! Nem sei o quanto é, de fato, necessário ou se é justamente o contrário! Nós não vemos o lado escuro da lua e ela está lá, linda e soberana no céu! Parece-me inteira. Acho que sempre será obscuro ter certas certezas. Às vezes teremos que assumir alguns riscos.
Que promiscuidade pode haver em estar confusa no amor? Não se exija tanto! Que “atire a primeira pedra” quem nunca se desorientou nos desconexos caminhos do coração! Verdadeiros labirintos! Compreensível perder-se… e quantas vertigens nos causam… e quantas vezes nos derrubam! Mas houve ocasião na qual você deixou de se levantar? Pode até ter demorado, mas não durou uma eternidade! Por que nada é imutável, tudo muda! Até os estreitos de nossos corações!
Você, mais que ninguém, sabe o quanto sei ser difícil quebrar padrões, desfazer-se de crenças (puras ilusões!), romper raízes e trilhar um caminho próprio. É árduo, é doloroso, é solitário, mas vale cada adversidade superada! Nenhuma dor pode ser maior do que a dor de não se saber você!
A liberdade de sermos nós mesmos tem seu preço sim, mas não é tão exorbitante assim. Nós podemos pagar! Que valor teria não fosse o desafio da conquista? Você poder ser o que quiser ser! Mas não pode se esquecer de algo muito importante, antes de adentrar-se na batalha, você precisa saber: o que você quer ser? Aonde quer chegar?
Você precisa descobrir! E, de preferência, antes de assumir como seus os sonhos, planos e objetivos de uma segunda pessoa… Lembro de, certa vez, você comentar sobre a dificuldade de fazer planos a dois… Fica muito mais difícil quando desconhecemos os nossos próprios desejos, além de perpetuar certo vazio, certo silêncio interior. Agrava-se a nossa mudez!
Não acredito que exista um alguém ideal, nossa idealização do outro costuma ser o primeiro passo para o descontentamento e, conseqüentemente, para o desencontro. Ninguém vem pronto. Quando olhamos “de fora”, sempre nos parece que foi fácil, mas desconhecemos as batalhas interiores de cada um e não fazemos a menor idéia de quanto esforço foi necessário… sim, pois é necessário muito esforço para construir uma relação duradoura, muitos ajustes existiram, esteja certa disso! Não se constrói um edifício com meia dúzia de tijolos… e às vezes, são imprescindíveis reformas!!!!
Às vezes insistimos em padrões que nos são impostos, mas não são nossos, não há como mantê-los indefinidamente. Decepcionamo-nos quando assumimos quereres alheios…
Não acho que a questão entre vocês seja o fato de serem muito diferentes, mas sim a dificuldade em aceitar objetivos opostos e em compartilhar sonhos comuns. Os conflitos foram inevitáveis… Isso também cabe em mim!
Mas embora nada dure para sempre, muitas vezes pode ser forte o suficiente para se tornar eterno em nossas almas (acho que plagiei vários escritores agora!). Ainda assim, precisamos aprender a deixar o outro ir, para que nós também possamos seguir. Essa é a parte mais difícil… Ninguém ensina, ninguém explica.
Há tantas coisas em nós que não podem ser explicadas pela ciência, minha amiga. Não existem fórmulas! Os poetas talvez sejam os que mais se aproximam desses mistérios. Existem coisas que só se explicam nas entrelinhas, é preciso alma para conseguir entender… e isso, sei que você tem!

Sobreviva mais uma vez!



sábado, 14 de abril de 2012

Sobre a felicidade

Antes, uma breve explicação: escrevi este texto há cerca de dois anos, quando fazia um blog de "trocas de cartas" assinadas por pseudônimos com uma amiga muito querida... a carta é uma resposta a outras tantas que trocamos na época...

                                                         Fotografia: Polianna Souza
Querida amiga, 

Como eu esperava, estou melhor… foram somente os meus não inesperados dias de melancolia… nada estranho, quando se trata de mim!
Sentir saudades é normal, seja de pessoas, vivências, sentimentos ou pensamentos. Mas passa. Passa, volta , passa de novo, tantas vezes forem necessárias! E cada vez que volta nos dá a oportunidade de lidar com  tudo de formas totalmente diversas… não é interessante?  Aprendemos a lidar com as nossas contrariedades e frustrações, com a própria saudade inclusive, até que um dia a gente deixa de sentir… ou passa a sentir de uma forma mais suave, um quase não sentir.
Não há como negar que temos esse velho hábito de nos projetar no outro e nele depositar infinitas possibilidades (quanta responsabilidade para o outro!). Digo velho, pois, de certa forma, aprendemos a fazer isso desde muito cedo… afinal,  já nascemos fruto de um projeto alheio! E quantos não passam a vida inteira cumprindo a risca o projeto inicial, realizando sonhos e desejos que não lhe pertencem… pode ser difícil acordar desse engodo.
Às vezes fazemos isso com a nossa felicidade. Confiamos ao outro a difícil missão de nos fazer feliz. Eximimo-nos da responsabilidade. Outras vezes, até aceitamos a missão, mas criamos uma série (muitas vezes interminável) de pré-requisitos e adiamos a felicidade para um futuro que nem sabemos se chegará. Podem ser várias as imposições: formar-se, casar, ter filhos, emagrecer, comprar “aquela” casa, conseguir “aquele” emprego, aposentar-se… e por aí vai… Por que não pode ser AGORA?
Perdemos tanto tempo querendo ser o que não somos ou ter o que não temos… Na verdade, confundimos muitas vezes o que realmente precisamos com aquilo que simplesmente queremos, mas que está muito longe de ser essencial… são tantas as promessas de felicidade no mundo de hoje que nos perdemos…
Por que ter medo de ser feliz?
Acho que nunca tive esse medo. Talvez porque felicidade para mim nunca foi uma coisa mágica, indecifrável e distante, talvez porque, apesar dos pesares da vida, sempre me julguei feliz!
Felicidade, em minha opinião, é vital como respirar; necessário como beber água. É fisiológico! Difícil explicar, mas mesmo quando estou triste, chateada, descontente, aborrecida ou contrariada com qualquer coisa (amores, amigos, família, trabalho e, na maioria das vezes, comigo mesma) eu tenho a mais absoluta certeza de que continuo feliz. Não consigo conceber felicidade como algo extremamente grandioso e inacessível. Felicidade, para mim, é dia a dia, é acordar pela manhã e saber que inúmeras possibilidades me aguardam. É, por exemplo, estar aqui e agora escrevendo para você!
Não consigo ver a felicidade como um estado absoluto de graça; como ausência de problemas, de dores e perdas. Não consigo simplesmente porque isso não seria natural, a vida não é assim… não é possível estar tudo sempre como planejamos o tempo todo… não temos esse poder e esse controle.
Tudo bem se às vezes ficamos tristes, se somos atormentadas pela “madrasta do espelho” (ou tantas outras), se choramos nossas perdas, se temos medo, se sentimos saudades… É normal!
Para você, o que é felicidade?
Só por curiosidade, fui xeretar nos dicionários – como será que se define felicidade?  Pesquisei em vários, eis um breve resumo do que encontrei: “qualidade ou estado de ser feliz (?); estado de uma consciência plenamente satisfeita (??); satisfação, contentamento, bem estar, bom êxito, sucesso, boa sorte”.  Quanta subjetividade! Na minha opinião, ser feliz é tão mais simples…
Saber quem eu sou e que, se necessário, posso transformar e melhorar muitas coisas em mim me faz feliz. Poder fazer escolhas: mudar de emprego, voltar a dançar, tocar violão, caminhar no parque, nadar, cantar, ler um bom livro, aprender um novo idioma, conhecer novas pessoas e novos lugares, viajar…
Saber que nada é imutável e definitivo… Clarice Lispector dizia que o que a atormentava era que “tudo é por enquanto, nada é para sempre”… isso é o que me conforta!
Por fim, penso que felicidade vem de fé. Isso mesmo: fé, crença, confiança! Vem da nossa capacidade de acreditar na vida, nas infinitas possibilidades, nas pessoas e, acima de tudo, em nós mesmas… Colocamos obstáculos demais, duvidamos demais, não confiamos em nossos sentimentos mais íntimos, na nossa intuição.
Por mais clichê que isso possa parecer, acredito que a felicidade está exatamente onde a colocamos. Onde você anda deixando a sua?

                Beijos felizes!


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Decifro-me?

                                           Fotografia de Polianna Souza
                                              
Noite dessas tive um sonho instigante…
Era um dia incrível de sol e eu estava caminhando livremente na beira da praia. Não me lembro de ter visto nenhuma igual antes, tamanha era sua beleza. A areia era impressionantemente clara e o mar tão límpido, com tons oscilando entre o verde e o azul, como seus olhos… Espalhadas na areia viam-se conchas coloridas e felizes estrelas do mar, que iam e vinham, acompanhando o movimento das águas, soltas e suaves.
Encontrava-me completamente sozinha, imersa em meus pensamentos, mas sentia-me plenamente feliz. Era como se nada me faltasse naquele momento. Nem você!
De repente, senti que algo batia suavemente em meus pés e olhei entre assustada e curiosa. Era uma garrafa de vidro meio fosco, talvez pela ação do tempo, mas pude perceber que havia algo em seu interior, parecia um papel enroladinho… O que seria? Não sabia se devia ou não abri-la, mas a curiosidade perturbava meus julgamentos… Não resisti! Deu trabalho, mas consegui resgatar a pequena relíquia de dentro da garrafa. Tratava-se de um minúsculo pergaminho. Desenrolei-o com o maior cuidado, em um misto de medo, ansiedade e entusiasmo e, após alguma hesitação, pude ler o recado que trazia: “Prudência com o que pedes. Não te iludas! Domine antes teus reais desejos.”
O que queria dizer aquilo? De onde teria vindo? Quem o escreveu? Para quem seria o conselho? Há quanto tempo teria sido escrito e enviado? Nunca saberia a resposta, mas pressentia que não conseguiria esquecê-lo… Suas palavras martelavam minha cabeça, cobravam-me respostas. Quais seriam os meus mais profundos desejos?
Naquele momento, eu comecei a pensar em você… Não, não como alvo do meu querer sincero e profundo, mas como alguém com quem pudesse dividir a angústia que se instalava em meu coração. Céus, os anseios de minha alma não poderiam restringir-se à urgência de sua presença!
Quais seriam minhas vontades, aspirações, sonhos, enfim, meus desejos mais íntimos? Fechei os olhos e assim fiquei por um bom tempo, tentando ver o que trazia por dentro… Tentando olhar para o meu interior, para o mais íntimo de mim… Não conseguia me decifrar! Medo… Quem sou eu afinal?
Quando finalmente consegui abrir os olhos, tudo ao meu redor havia mudado. O lindo dia de sol dava lugar a penumbras, sombras e frio… Tudo estava nublado e escuro. Eu mal podia enxergar… O que estava acontecendo?
Eu andava de um lado para o outro, absolutamente perdida, sem conseguir me encontrar. Tudo o que eu desejava naquele momento era sua mão a me segurar, queria a segurança de ter em quem me apoiar e confiar. Mas, espere um pouco… Nunca pude confiar verdadeiramente em você! Será que nem nos sonhos?
E, em meio ao meu desespero e perambulação, acabei tropeçando em algo duro e gélido. Era uma lâmpada, dessas lâmpadas de histórias mitológicas árabes, dessas bobagens de desejos e realizações… Bobagens? Será? Eu precisava sair daquele lugar, precisava de ajuda, não sabia o que fazer… Não custava tentar. Esfreguei-a fervorosamente! Nada aconteceu…
E essa história de realização fácil de nossas vontades? Não bastaria o esfregão para eu me livrar daquele sonho transformado em pesadelo? E onde estava você justamente no momento em que me sentia tão só? Por outro lado, e se me fosse concedido apenas um desejo, em detrimento de todos os outros, o que eu faria? Eu desejava tantas coisas!
Queria de volta a sensação de paz, o coração leve e tranquilo, os dias felizes de sol, os amigos solidários ao meu redor, as lágrimas de alegria, as sensações prazerosas das conquistas, o aprendizado dos caminhos difíceis e tantas esperanças… Como eu poderia priorizar apenas um desejo? Mais valiam as dúvidas que se abriam em possibilidades do que as certezas que congelavam meu coração!
Acordei assustada, meio ofegante e você não estava ao meu lado. Dei-me conta de que você não fez parte dos meus anseios prioritários… Será que eu finalmente comecei a te esquecer? Não queria pensar!
Olhei o relógio, estava quase na hora do despertador tocar. Então pensei no que eu pediria naquele momento e desejei dormir só mais cinco minutinhos!



segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ikiru


Era apenas um homem. Um homem comum. Parecia ser um bom homem, honesto e trabalhador. Por quase trinta anos praticamente só trabalhou. Trabalhava religiosamente e em todo esse tempo não teve um dia de folga sequer. Trabalhava, trabalhava e trabalhava.
Viúvo desde muito cedo e com um filho pequeno, dedicou a vida para, a seu modo, cuidar do menino, pensando em garantir o seu futuro. Trabalhava, trabalhava e trabalhava.
Vivia… mas não vivia. Os pulmões respiravam, o coração batia, o sangue circulava… mas não havia vida. Não sabia quem era, o que fazia e o porquê fazia. Não conhecia suas necessidades. Desconhecia seus desejos mais íntimos. Até que um dia começou a despertar.
Primeiro veio o leve incomodo, que não tardou a transformar-se em dor. Depois vieram as náuseas, a falta de apetite, os vômitos. Por fim, veio o choque: câncer gástrico!
Com a sentença de morte decretada, em um tempo no qual não existiam muitos tratamentos, instalaram-se a raiva, o medo, a revolta, a tristeza, a vergonha e… a culpa. Primeiro culpou a vida, depois o trabalho, o filho que não lhe dava atenção após anos de dedicação e por aí foi. Sentia-se incompreendido e solitário. Até que, com a ajuda pouco intencional de uma garotinha muito viva, se olhou.
Foi quando finalmente percebeu a sua própria culpa. Não pela doença, é claro, mas por tudo o que foi sua vida. Percebeu que sempre teve nas mãos a possibilidade de definir suas prioridades e seus caminhos, a liberdade para fazer as próprias escolhas, a opção de criar e rever suas expectativas.  “Relativou-se” a culpa. Seu foco mudou, suas perspectivas ampliaram-se e tudo ficou claro. Assim, de repente, iluminou-se. E mesmo restando-lhe muito pouco tempo, viveu intensamente e fez a diferença.
Este é somente parte do enredo de um filme, Viver (Ikiru), de Akira Kurosawa, sob a minha percepção. Mas quantas vezes já vimos “esse filme”? Talvez, com diferentes nuances, mas sempre o mesmo fundo.
Quando nos deparamos com obstáculos difíceis de enfrentar temos a tendência natural de buscar culpados, buscar razões. Queremos fugir da situação na qual, muitas vezes, nós mesmos nos colocamos. Durante um tempo, variável para cada um, damos voltas e voltas em torno do problema, sem conseguirmos olhar. Perdemos os olhos de ver…
Quantas vezes, quando nossos planos e projetos não saem exatamente como queremos, procuramos culpados para nossos fracassos? E mesmo quando conseguimos assumir nossas responsabilidades, somos dominados pela culpa do erro… Sentimo-nos pouco capazes…
Projetamos nossas culpas no outro quando ela é insuportável demais, pesada demais… culpa moral, religiosa, penal, criminal, profissional, familiar… quanta culpa! Difícil explicar… Terrível sentir!
E já reparou na importância da culpa para nossos atos do dia a dia? Pautamos inúmeras decisões no sentir ou não culpa e, inevitavelmente, sempre nos culpamos. Usamos a culpa para educar nossos filhos: “Eu não acredito que você vai deixar toda essa comida no prato enquanto crianças na Etiópia morrem de fome!!!!” E o pobrezinho, aos cinco anos, nem faz idéia do que seja a Etiópia!
Mantemos situações e relacionamentos capengas indefinidamente para não termos que conviver com a culpa do fim e carregamos a culpa pela falta de coragem de agir. Outras vezes assumimos culpas alheias para proteger aqueles que amamos e com quem nos preocupamos.
Porém, a mesma culpa que muitas vezes nos castiga é a que nos move. É aquela que nos tira da zona de conforto do nosso comodismo. É aquela que nos lembra de que, para vivermos bem com os demais, não podemos fazer ou dizer tudo o que queremos.
Não necessitamos de situações extremas, como a exemplificada no filme, para assumirmos a atitude de responsabilidade por nossos atos e nossas escolhas. A culpa nem sempre vem para nos atrapalhar! Para isso precisamos ter olhos de ver e coração de sentir! Mudar a perspectiva do olhar e poder compreender nossa própria história por um novo prisma, por um novo entendimento.

              From: http://www.youtube.com/watch?v=Lc4y-asVh3c

domingo, 1 de abril de 2012

Uma apresentação


Alguém de vocês já leu Pollyana, de Eleanor H. Porter? Pois é, é por causa da garotinha resiliente do livro que me chamo Polianna. Acho que minha mãe planejava que eu fosse tão otimista e resignada quanto a menininha dessa história… Mas ela mudou a grafia do nome, talvez por isso não tenha dado muito certo, acabou que não sou assim tão otimista quanto a Pollyana original!
Sei que é chatice de minha parte, porém o hábito me faz ressaltar: Polianna com um “L”, “I” e dois “Ns”. O “L” e o “I” eu não sei bem porque, mas os dois “Ns” herdei de Dona Anna, minha avó, de quem herdei também a teimosia! Parece bobagem, mas como sempre tive que explicar, acabou por virar regra!
Tenho 33 anos, mas ainda me vejo uma menina… Chego a me espantar quando me olho no espelho e percebo a passagem do tempo… Não é que eu não goste do que vejo, nem medo de envelhecer, é só que ainda não me acostumei a me olhar assim, a autoimagem que ficou registrada em mim ainda é antiga!!!
Nasci em São Paulo, contudo fui morar no interior do estado com a minha família quando eu tinha nove anos. Não guardo grandes lembranças da minha infância em São Paulo, algumas apenas, então, é como se, quando criança, eu sempre tivesse vivido no interior, é lá que percebo minhas raízes. Penso que seja assim pelo fato de ser muito mais divertido ser criança no interior. Pelo menos no meu caso, a infância foi infinitamente mais livre e feliz lá do que em São Paulo. Acho que minha memória privilegiou as melhores lembranças!
Voltei a viver em São Paulo anos mais tarde, depois de formada, e hoje sou totalmente apaixonada por este lugar, mesmo conhecendo bem os seus problemas. Costumo brincar que este é um amor verdadeiro em minha vida, amo com todos os defeitos!
            Como a maioria dos paulistanos, trabalho muito. Trabalho com Cuidados Paliativos. Explicando em poucas palavras: cuido de pessoas que estão no final de suas vidas.
Não sei bem porque escolhi trabalhar com aqueles que estão mais próximos da finitude, independente de suas idades e biografias. Costumo dizer que não trabalho com morte e sim com vida até o momento da morte inevitável. Não ajudo as pessoas a morrerem, mas a viverem da melhor maneira no tempo que for possível… Auxilio na travessia, meio como Caronte, mas de modo delicado, tentando tornar esse último caminho o menos turbulento possível!
Não demorou muito para eu descobrir que, na verdade, são essas pessoas que me ajudam a viver e a definir minhas prioridades e as melhores escolhas para a minha vida. É por causa de tudo o que aprendo com elas que estou modificando e ampliando os meus caminhos e tornando incrível a minha viagem. São elas que me mostram a mágica grandeza das pequenas coisas do dia a dia, por mais piegas que possa parecer.
Passei muito tempo (apesar de ser novinha) me perdendo de mim. Passei muito tempo sem saber e sem querer saber quem eu era. Eu não fazia a menor idéia do que eu queria, do que eu gostava… Eu não sabia mais falar de mim, não sabia absolutamente nada sobre minha vida… Eu não sabia como me perceber…
Cor preferida? Fruta preferida? Alguma coisa preferida? Era como se eu tivesse adormecido por anos e anos e acordasse de repente… Era como se tudo fosse novo e desconhecido, inclusive eu mesma… Via-me no poema de Cecília: em que espelho teria ficado perdida a minha face? Terapia!
Foi difícil, mas, devagar, aprendi (e ainda estou aprendendo) a me sentir, me olhar, me perceber, me ouvir…
Hoje, enquanto escrevo, chove torrencialmente lá fora e foi impossível não notar o quanto adoro chuva! (Mas só quando estou em casa!) Sinto-me até meio egoísta, pois sei os estragos que essas chuvas causam, mas adoro temporais. Dão-me uma incompreensível sensação de prazer… Quando criança, gostava de ficar na varanda de casa vendo a dança das folhas soltas voando e perdendo-se no meio da ventania.
Nunca gostei de dias que já começavam nublados, mas sempre fiquei inexplicavelmente feliz quando escurecia no meio de um dia ensolarado. Adoro os barulhaços dos trovões e os clarões dos relâmpagos e apesar de ainda não saber responder por que, já consigo saber o quanto gosto!
Enfim, sou alguém tentando se descobrir e redescobrir! Já sei que sou uma mulher adulta que se acha uma menina, que andei perdida por um bom tempo (e fui resgatada!) e que gosto de chuva com ventos, relâmpagos e trovões!!! Acho que está bom para começar, não?